domingo, 5 de agosto de 2007

MORREU PEDRO CORREIA.
Meu tio Inácio Paca, falecido três anos atrás com oitenta e nove anos de idade, dizia que o mais triste da velhice é saber que os amigos já morreram e a gente vai ficando, só pensando quando chegará a nossa vez. Apesar de não saber ler Inácio Paca tinha muita filosofia de vida. Eu cada vez mais me convenço de que a velhice está chegando. Nos últimos quinze dias perdi dois desses amigos. Há quinze dias morria, Vandoni Dantas, colega de escola e de Banco do Brasil. Na quinta-feira, morreu Pedro Correia, velho colega de rádio.
Pedro era uma figura. Foi de tudo na vida. Jogou futebol, foi sapateiro, trabalhou no comércio, foi juiz de futebol, trabalhou em rádio, foi comentarista de arbitragem, dirigente de futebol e quanta coisa se pense. Para ganhar a vida topava qualquer parada. Com quase sessenta anos, surpreendeu Padre Assis, quando este anunciou que ia mandar pintar a antena da rádio. Pedro logo se ofereceu: “Eu topo ganhar este dinheiro”. Padre Assis não acreditou: “O senhor tem coragem, seu Pedro?”. “E quem é que troca as lâmpadas lá de cima quando queimam?” foi a resposta de Pedro. E lá se foi Pedro Correia, com a cintura amarrada com uma corda até o alto da antena de mais de cinqüenta metros de altura. E antena ficou muito bem pintada.
Quando eu cheguei na rádio em 1964, Pedro já era uma figura lendária. E que não lhe dessem uma ordem, pois ele cumpria ao pé da letra. Maurício Leite, gerente da Espinharas, ainda na época de Drault Ernani, deu uma ordem aos controlistas. Nem Drault, nem ele Maurício poderiam ultrapassar uma cancelinha que dava acesso ao recinto onde trabalhavam os controlistas. Pedro ainda perguntou “não é para entrar ninguém, Maurício?” Maurício confirmou a ordem. Um belo dia, chegou à emissora o ex-prefeito Bivar Olinto, que era irmão de Drault Ernani, o dono da rádio. Bivar, na época deputado federal, foi entrando de rádio a dentro e quando chegou no controle, foi abrindo a cancelinha cuja ultrapassagem fora proibida por Maurício. Pedro Correia tomou-lhe a frente e disse: “Doutor, é proibido passar daqui”. “Mas moço o dono da rádio é meu irmão” disse Bivar. “Pois a ordem aqui é que nem ele pode passar, e se ele não entra o senhor também não entra”, foi a resposta de Pedro. Dizem que Bivar não insistiu. Afinal, Pedro estava cumprindo ordens.
Outro episódio, já acontecido nos meus tempos, envolveu Pedro e o então prefeito José Cavalcante. Naquela época, não havia programas políticos gratuitos. Todos pagavam pelo tempo utilizado. Era feito um contrato para o político usar o rádio por tanto tempo. Zé Cavalcante era acostumado a estourar o horário, se prevalecendo da função e da amizade com Mons. Vieira, um dos sócios da emissora. O “estouro” de horário terminava atrapalhando a programação e provocando reclamação dos adversários que eram obrigados a cumprir o horário. A direção da rádio baixou uma portaria determinando o cumprimento exato dos horários. Mas quem ia enfrentar Zé Cavalcante. Pedro disse “Me botem no horário que eu dou um jeito”. No primeiro programa que Zé Cavalcante foi fazer estourou o horário em mais de quinze minutos. Quando terminou foi falar com Pedro: “Desculpe, seu Pedro, terminei ultrapassando o horário”. “Tem problema não Seu Zé, me avisaram qual era a hora em que terminava o programa e na hora eu desliguei o microfone”, responde Pedro. Cavalcante, que passara quinze minutos falando no seco, pode até ter feito queixa de Pedro à direção da rádio, mas nunca mais “furou” o horário.
Outra parada indigesta de Pedro foi enfrentar Zé Gaioso. Numa campanha a prefeito, Zé Cavalcante contra Severino Lustosa, Zé Gaioso, deputado do PSD, contratara alguns programas de rádio e terminada a campanha ainda não havia pago. No final das apurações Pedro pediu um “vale” na rádio e disseram que não tinha dinheiro. Só se Pedro cobrasse a conta de Zé Gaioso. Pouca gente tinha a coragem de enfrentar a cara feia da Baraúna do Prado, e ainda mais fazendo uma cobrança. Pedro não perdeu tempo. As apurações estavam sendo feitas nas proximidades da Sorveteria Quitandinha, quase em frente à Catedral. Pedro ficou de tocaia na calçada. Terminada as apurações, anunciada a vitória de Zé Cavalcante, Zé Gaioso, furioso com a derrota, saiu para a calçada e se encostou num automóvel que estava estacionado mesmo em frente ao local. Pedro sacou da fatura e se dirigiu para Gaioso: “Doutor, a rádio mandou receber esta continha”. Gaioso disse: “O quê?”, arrebatou o papel, deu uns três esturros, olhou o valor, enfiou a mão no bolso, preencheu o cheque e entregou a Pedro. Pedro andou uns dez metros e saiu aos pinotes. O “vale” estava garantido.
Pedro Correia é personagem de muitas outras histórias no rádio e no futebol. Mas fica para quem escrever a história da Espinharas e a do nosso futebol colhê-las e divulgá-las. Aliás, está na hora de alguém começar a fazer isso.
Uma das qualidades de Pedro era a fidelidade aos amigos. Amigo para ele era amigo. Podia contar com ele para o que desse e viesse. Depois de ser controlista de estúdio por muito tempo, Pedro foi mandado trabalhar como controlista da antena. E praticamente passou a morar lá. Vez por outra eu ia por lá bater papo e ouvir as histórias de Pedro. E por algum tempo, os papos com Pedro passaram a me servir de desculpa quando chegava tarde em casa. Pedro encobria a minhas traquinagens. Aposentado, começaram os problemas de saúde. Pedro sofreu muito com o diabetes tendo, inclusive, que amputar uma das pernas. Se ressentia de que só alguns poucos amigos o visitavam de vez em quando. Quanto eu ia visitá-lo, na Av. Inglaterra, nos entretínhamos lembrando os velhos tempos. Apesar dos problemas de saúde ele tinha alegria de viver. Nos últimos tempos, depois que voltei a viajar pelo Estado todo, quase não o via. Mas vez por outra, alguém me dava o recado dele: “Diga a Lula que apareça”. Ele nunca me chamou de Luiz ou de Gonzaga, sempre chamava Lula. E até nos últimos tempos continuou fiel na audiência aos meus programas. No domingo, Paulinho, seu filho excepcional, assistia ao programa com ele. Quando estava perto do programa começar, Paulinho corria, pegava o rádio e ia sentar junto de Pedro.
Na sexta-feira, cerca de meio dia, o telefone tocou. Era Neném Correia, a filha com quem ele morava, nos últimos tempos. “Luiz, painho morreu”. Deu-me um tranca na garganta e eu quase não perguntava os detalhes. Pedro falecera na véspera em casa mesmo. Dr. Miguel, que o atendia mesmo em casa, disse nos últimos dias que não adiantava mais levá-lo para o hospital. Pedro foi sepultado no final da tarde da sexta-feira. Infelizmente não deu para viajar para acompanhá-lo até a última morada. Daqui o meu agradecimento a Neném pela lembrança de me comunicar a morte de meu velho amigo. E daqui as minhas condolências a todos os familiares. Pedro Correia cumpriu a sua missão na terra, criou com dificuldades, mas com amor, numerosa família.
Pedro tinha oitenta anos de idade e lutou muito na vida. Tinha defeitos como todos nós. Era sincero quando queria dizer as coisas. Mas era extremamente fiel a todos aqueles de quem gostava. E ao longo da vida só fez amigos. Que descanse em paz.
PS: Pedro morreu no mesmo dia que Luiz Gonzaga, o Rei do Baião, dezoito anos depois.

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