domingo, 2 de setembro de 2007

LUZIA SOBRAL, UMA HEROÍNA ANÔNIMA.

         Faleceu, na última terça-feira em Patos, na simplicidade de seus 89 anos, Dona Luzia Sobral. Morreu quase no anonimato, como viveu, à sombra dos seus três filhos. Como muitas das nossas mães, era, entretanto, uma verdadeira heroína. Nova, bonita, casou com um filho de família rica de São Mamede, Adalberto Xavier de Andrade, filho de Luiz Xavier de Andrade, comerciante da então vila, pertencente a Santa Luzia. Inteligentíssimo, Adalberto era também um boêmio. Nem o nascimento dos três filhos fez com que ele sossegasse. Sem nenhum motivo, movido só por um coração cigano, Adalberto abandonou a família e foi buscar outras regiões do país, terminando por parar na região Centro-Oeste. Deixou para trás Luzia e os três filhos do casal: Marconi, Alberto e Lúcia. Luzia não desesperou. Tocou a vida para a frente e com ajuda de uma família unida, à sombra do velho Manoel Italiano, fazendeiro do Mocambo de Baixo, compadre de meu avô. Pôs os filhos na escola e deu de si tudo para vê-los criados e encaminhados na vida. Aos dez anos, Marconi foi encaminhado para o Seminário de Cajazeiras, levado por sua tia Noinha, na turma fundadora daquele educandário, em 1955. Ali Marconi chamou a atenção pela inteligência brilhante, mas também pela inquietude do comportamento. Era o sangue do pai, inteligente e boêmio. Enquanto os irmãos seguiam os estudos (ambos chegaram a se formar), Marconi "deu pro mundo". Boêmio e político. Por conta do seu verbo ardente, eleito vereador em Patos, terminou sendo preso pela ditadura militar e encaminhado para João Pessoa. Era, segundo ele, a vingança de um deputado local que não esquecera a derrota que sofrera na eleição do ano anterior, quando Marconi era um dos mais ardentes oradores do palanque de Olavo Nóbrega, de quem foi líder na Câmara de Vereadores. Com Marconi preso e sem muitos recursos financeiros para contratar um advogado, Dona Luzia usou uma parcela de seu inesgotável patrimônio de sertaneja guerreira, a coragem. Tomou um ônibus da IPALMA e partiu para João Pessoa. Na Rodoviária, tomou um ônibus que ia em busca da praia e pediu ao motorista que a deixasse em frente ao Grupamento de Engenharia, onde o grupo de jovens lideranças patoeenses estava preso. Ali pediu à sentinela para falar com o general Samuel Correia, comandante do quartel. A sentinela informou que o comandante não atendia naquele dia, mas diante da insistência de dona Luzia, encaminhou-a ao oficial do dia, que confirmou a informação da sentinela. Seus rogos insistentes fizeram com que o oficial falasse com o comandante que resolveu atendê-la. Diante do general, dona Luzia só não fez se ajoelhar (embora Marconi conte que ela se ajoelhou diante da bandeira nacional), para dizer que o filho nada tinha de subversivo, que era apenas um menino impulsivo, que até seminarista fora. Apelou para os sentimentos filiais do general, que certamente tinha uma mãe, e outros apelos que terminaram comovendo o militar. Diante daquelas lágrimas e daqueles rogos, o general Samuel Correia, terminou prometendo: "Vá para casa, minha senhora, ainda hoje a senhora beija o seu filho". Assim prometeu, assim fez. Mas dona Luzia, não foi para casa, esperou o filho lá mesmo, em frente ao quartel, em plena Epitácio Pessoa. E, na sua coragem de sertaneja guerreira, conseguiu aquilo que Napoleão Nóbrega conseguira, alguns dias antes, por intermédio da OAB (libertar Romero). E que a família de Ruy Gouveia conseguira para o futuro deputado, utilizando advogados e influências políticas. Marconi e Ruy saíram no mesmo dia.

         Esta era Luzia Sobral. Que continuou pela vida em fora, servindo de guardiã para os filhos que Adalberto não quisera criar com ela. E foi essa guerreira que terminou conseguindo fazer de Marconi o brilhante advogado que conhecemos. Encaminhados Lúcia e Alberto, dona Luzia mexeu com os brios de Marconi: "Se não fosse você eu já teria dado uma resposta a seu pai". Ela queria ver Marconi formado, como os irmãos. E terminou conseguindo. Marconi foi trabalhar em Campina Grande e ali voltou aos estudos e conseguiu fazer o curso de Direito, com o que terminou Advogado do Estado, atuando brilhantemente até se aposentar naquela cidade serrana. Em Campina dividiu mesas de bares e noites de boemia com outros poetas e tribunos como Raimundo Asfora e Ronaldo Cunha Lima. 

         Luzia morreu na madrugada da terça-feira, 28 de agosto, aos 89 anos. Mas ainda teimando. Brigando contra o diabetes, comia açúcar escondido o que lhe provocou a insuficiência cardíaca que a vitimou. Nascida em 16/04/1918, em Santa Luzia, filha de Manoel Paulino Sobral (Manoel Italiano) e Maria Marcelina Sobral, foi casada com Adalberto Xavier de Andrade, de quem teve três filhos: Marconi, Alberto (já falecido) e Lúcia. Amigos e familiares a acompanharam à ultima morada, na mesma terça, no Cemitério de São Miguel.  

         Homenageio daqui às heroínas anônimas do sertão, mulheres iguais a D. Luzia e D. Constantina minha mãe, que por sinal eram amigas e nascidas no mesmo ano, que tudo fizeram, lutando com todas as dificuldades, para fazer dos filhos alguma coisa de que pudessem se orgulhar.

Nenhum comentário: